À minha Mãe
e em memória de meu Pai
Aos meus Irmãos
À minha Mulher
e aos meus Filhos
Ao finalizar o Prefácio de Celeiro de Retalhos, considera Fernando Pinheiro: "Que outros celeiros como este se abram ao nosso espírito sedento de solidários frutos e benesses de harmonia e paz."
E surgiram. Esses celeiros aparecem‑nos já em Auréola, colectânea que contém a poesia da mocidade de José Fernandes da Silva.
Celeiros repletos de frutos maduros, cheios da riqueza natural e pura que brota da Terra‑Mãe (natural porque Terra, pura porque Mãe), plenos de humanismo, solidários com os que sofrem, exuberantes de alegria e completos de aceitação e conformidade com a vida, mesmo naqueles momentos em que a Razão diz: "Rejeita!" Não, José Fernandes, músico da vida, nada rejeita dela.
Em Auréola, o leitor encontra a paz do homem tranquilo que procura sempre compreendê‑la, mesmo nas malhas mais emaranhadas das terríveis teias com que ela tenta iludir‑nos.
Por tudo isto e pelo muito mais que nele se encontra, creio que a poesia deste poeta‑cantor é de leitura obrigatória.
Ouçamo-lo, pois, ao raiar da alva ou nas tardes calmas e quentes de Agosto ou nos Invernos rigorosos, em que a música dos versos se dilui no zunir dos ventos; ouçamo‑lo ao crepúsculo vermelho dos dias outonais ou durante a noite enluarada, em que a música dos versos se confunde com o canto do rouxinol; ouçamo‑lo no odor da terra lavrada de fresco ou debaixo das árvores perfumadas da Primavera ou prenhes de frutos no Estio e Outono; ouçamo‑lo junto ao rio que cresce com as chuvas do Inverno ou junto ao ribeiro remansoso que se espreguiça nas canículas de Agosto; ouçamo‑lo na aldeia, em dias de romaria, ao som do repique festivo dos sinos quando a giesta brava enche o ar de perfumes selvagens e embeleza campos e valados; ouçamo‑lo ao luar e às estrelas, ao correr do ribeirinho e ao bater forte das asas dos grilos, num turbilhão de tons e sons, em sinestesias de Abril; ouçamo‑lo ao serão, à lareira, em noite de Natal e veremos o canto dos versos misturar‑se ao coro dos Anjos na glória eterna ao Criador; ouçamo‑lo ainda, à mesma lareira, na roda da meninada, ouvindo histórias de encantar da boca da avó velhinha e branca... E o crepitar da fogueira e os contos contados são agora o poema.
Eis, pois, um livro de poesia onde a simplicidade, a pureza, a generosidade das coisas são o rosto do poeta.
Num ou noutro poema, pela mão de Florbela, que o autor muito aprecia, surgem, por vezes, a solidão e a tristeza. Aceites, também aqui, com naturalidade, porque são elas, afinal, faces da mesma vida.
Assim, não nos surpreendamos de ouvir, nesta colectânea de versos de José Fernandes, um respirar de vida em todos os seus poros.
Maria do Céu Nogueira
Acabaram os meses de saudade,
Primavera feliz, sempre benvinda!
No céu azul tudo é serenidade
e toda a Natureza está mais linda!
Aromas puros e
variegados
chegam dos campos plenos de verdor
e sentem‑se mais fortes, renovados,
os homens ao tomar esse vigor.
Tudo é agora
encanto em toda a terra!
E é maior a saudável alegria
dos passarinhos, do zagal na serra,
dos ramos a vergar com tanta flor!
Corações de Poetas, dia-a-dia,
melhor sentem crescer em si o amor...
O sol aquece, forte, deslumbrante,
cobrindo com dourados tons a terra,
o mar, o bosque, o vale, o plaino, a serra,
tudo lasso num banho fulgurante!
E repousa a
mãe‑Terra mergulhada
na quieta paz da criação eterna...
A Natureza, na missão materna,
é, de entre as mães, a mãe mais esmerada!
Vagarosos os rios pelos montes
descem sem quase serem escutados
e adormeceram as antigas fontes.
É ao Verão que
é dado por condão,
no retiro dos meses encalmados,
o mágico poder da geração!
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Outono triste... As árvores, despidas,
choram as suas folhas, já caídas,
as flores, multicores, que se esvaem,
e os grossos frutos a pender, que caem!
Vento d'Outono...
Vento que sacode
a floresta, que agora pouco pode,
frágil, tremendo, mas de pé ainda,
como antes e depois da tua vinda!
Tudo
emurchece... E lá no céu cinzento
as longas nuvens vão fugindo ao vento
e lá de longe a longe vão abrindo.
Abrem as nuvens, porque estão sorrindo
ao Poeta que, olhando‑as, esquecendo,
não vê a noite que já vem descendo...
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Faz frio... Vem a chuva, vem a neve...
O vento, gemebundo, sopra triste;
cai alva, brandamente, a bela neve
e ao frio intenso já não se resiste.
Do céu negro e
cruel desaba a chuva,
que dessedenta e cava a dura terra:
virá, mais tarde, o fruto dessa chuva,
generoso milagre que descerra...
Os rios vão
crescer! As mudas fontes,
secas desde o Estio, brotarão
em coros de aleluias pelos montes!
Ergue‑se a
adormecida Natureza,
cai o véu da passada mansidão,
do poder colossal dessa grandeza...
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Ao poeta muito amigo
José Manuel Mendes
Ó meu doce
rouxinol,
por que não cantas tu mais?!
Eu gosto tanto
de ouvir
o trinar suave e belo,
sob os choupos e salgueiros,
nessas noites de silêncio...
Quando me
sento na margem
do riacho de cristal
escuto na noite calma,
muito mansa, a brisa fresca
e as águas a marulhar!
E, contudo, ao
meu espírito,
só as tuas melodias
dão ânimo e alegria...
Por quê? É que a tua voz,
em sonoros rendilhados,
desprende um timbre sublime,
que me leva o pensamento
para longe, muito longe...
Uma noite, tu
cantavas.
De repente... ai!, tu calaste!
Onde era aquela beleza
antes sentida em minh'alma?
Não mais a brisa afagava;
não mais eu pudera ouvir
ciciar o ribeirinho...
É que eu já adormecera
ao embalo do teu canto!
E depois, ao
despertar,
tomado de encantamento,
perguntei, surpreendido:
Ó meu doce
rouxinol,
por que é que tu já não cantas?
Por que não cantas tu mais?!
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A D. Manuel da Silva Martins,
meu professor e grande amigo
Ó sinos da
minha aldeia,
que saudade em vós se encerra!:
sois a música que enleia,
sois a trombeta de guerra!
Sois gorjeios
de aves belas
e ribombar de granadas,
luz cintilante de estrelas,
aspergida em badaladas!
Sinos da minha
alegria!,
sinos da minha tristeza!
Amigos, que em certo dia
dissestes à Natureza
que ao mundo
eu tinha chegado...
E, pela primeira vez,
logo que fui baptizado,
lindo toque ouvir se fez...
Badalastes,
jubilosos,
em festivo repicar,
por certo muito orgulhosos
de um ser novo anunciar!
Sinos da minha
alegria!,
sinos do meu coração!,
que assinalastes o dia
da primeira comunhão!
Que poemas de
beleza
desprendeis em cada dia,
sinos da minha tristeza,
sinos da minha alegria!
Sinos da minha
tristeza...
Quando vos oiço dobrar
interrogo, com surpresa,
por quem estais a chorar!
Amigos meus,
tão queridos,
repenicai com ternura:
não quero os vossos gemidos
ao descer à sepultura...
Para a Adrianinha
Era uma noite de Agosto,
quente e feita de luar...
Na minha Bouça,
à janela
pequenina do meu quarto,
perplexo, pus‑me a escutar
a melodia mais bela
nunca feita por ninguém...
Era uma música
terna,
plena de suavidade,
que extasiava os ouvidos
e fazia ter saudade
de não poder imitar
um tão perfeito cantor!
E com que esmero e beleza
o invulgar compositor
descrevia a Natureza!
A ouvir
variações,
com tal poder expressivo,
permaneci muito tempo
preso por aquela voz,
debruçado na janela
pequenina do meu quarto,
mudo, pois jamais ouvira
melodia assim tão bela...
Par'cia vir do
Além...
E o luar tinha caiado
a terra da sua cor...
E eu tinha o olhar fixado
no loureiro abençoado,
suspenso à beira do tanque...
Era de lá que emanava
o canto que me encantava!
Passaria toda
a vida
na minha Bouça, à janela
pequenina do meu quarto,
mudo, pois jamais ouvira
melodia assim tão bela...
Quem era,
então, o cantor,
que só, pela noite fora,
se não cansou de cantar?
Vi, pois, ao nascer o sol,
sobre um ramo do loureiro,
um bonito rouxinol:
tão pequenino,
tão frágil,
mas com uma voz subtil,
que me prendeu toda a noite,
na minha Bouça, à janela
pequenina do meu quarto,
mudo, pois jamais ouvira
melodia assim tão bela...
Ao Dr. Carvalho Coelho
Corre, corre, ribeirinho,
pelas fragas, sem cessar...
és um caminheiro errante,
que anda sempre a viajar...
Lindo espelho
de cristal,
ribeirinho és nosso irmão!
Regas campos verdejantes,
que depois nos dão o pão!
Corre, corre,
ribeirinho,
pelas serras a cantar,
como o meigo rouxinol,
nesse canto de encantar...
E por seres
nosso amigo
vamos contigo cantar,
debaixo destas estrelas,
com a bênção do luar...
Corre, corre,
ribeirinho,
que a ouvir‑te ciciar
nós ficamos, noite fora,
a sonhar e a conversar...
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Ao querido mestre Luís Clemente Ribeiro
Menino que vais na rua,
descalço, pisando a neve,
deixando sulcos profundos
onde pões teu pé tão leve...
Menino que
vais na rua,
com tanto frio, a tremer,
de trapos, sem agasalho,
que até causa pena ver...
Menino que
vais na rua,
com fome e desolação,
sem conhecer mão amiga,
que dê um naco de pão...
Menino que
vais na rua,
alheado da desgraça,
sem poder compreender
o que em teu
redor se passa...
Menino que
vais na rua,
deixa tudo, vem comigo:
uno a minha Sorte à Tua
e serei um teu amigo!
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Ao Mons. J. Ferreira da Silva
Natal! Nome sublime que engrandece a alma
de quem o pronuncia cheio de respeito...
Natal! Palavra doce que enche o ardente peito
do triste, devorado por constante chama...
Natal! Foi
este dia que nos deu Jesus
‑ esse lindo Menino nado em fria gruta,
que a cega Humanidade, sem dor e sem pejo,
havia de cravar numa infamante Cruz...
Natal! Risonho
símbolo de Paz e Amor...
Natal é festa alegre de toda a família,
que hoje se concilia sob a feliz bênção
do grande Rei dos reis e nosso Salvador.
Natal! Contigo
vem a neve branca e fria,
a chuva, o vento, o frio... Mesmo assim, porém,
nesses dias e longas noites de invernia,
a tristeza é ventura a saudar o teu dia!
Natal! Lindas
crianças te esperam, contentes:
tu lhes darás presentes, e tantos presentes!!
Natal! O mundo
inteiro, como essas crianças,
crê que tu lhe trarás risonhas esperanças!!
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(Acróstico)
Toda a vida, mãe Querida,
eu sempre hei‑de recordar:
recebeste‑Me em teus braços,
entre risos, divertida,
sem descanso a abençoar
a perfeição nos meus traços...
decorridos uns
meses quis eu caminhar;
abrindo‑me teus braços eu lá ia dar:
Sereno, mas
imprudente,
ia de mansinho andando,
leve, feliz, sorridente...
vinhas tu beijar, cantando,
a minha face, contente...
Fui eu
crescendo em idade
e em ciência também...
risonha sublimidade,
nunca te esquecerei, Mãe,
acredita, que eu prometo,
nem os teus conselhos sábios,
dados com senso e afecto,
entre os lírios dos teus lábios:
serei teu filho dilecto!
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Oh! tantas, tantas vezes te recordo,
querido Pai, vivendo entre tristezas
a minha vida cheia de incertezas
e de pensares de que não acordo...
Por toda a
parte vejo o mesmo abismo;
mas, sobre as altas rochas, escarpadas,
ainda estou firmado, embora trémulo,
como essas árvores alcandoradas.
Relembro,
longamente, o doce amor,
que do teu santo coração brotava,
e o perfil do teu rosto, encantador,
lindas faces, coradas, que eu beijava...
E eu lá pelo
jardim em correrias,
atrás das fugidias borboletas,
nos alegretes, sobre as violetas,
da manhã ao soar ave‑marias!
Com que prazer
eu via a passarada
cabriolar nos ramos, enfolhados,
e sempre como eu tão descuidada
naqueles lindos dias ensolados!
No pequeno
jardim, se um momentinho
eu parava, era só para beijar
as flores que eram mais do meu bom gosto
e apanhá‑las com todo o meu carinho.
Cresci,
cresci... Mas nada me esqueceu!
E vou lembrando sempre o teu sorriso
de quando me dizias, com meiguice:
"Vamos ver se te portas com juízo!"
Como me custa
estares lá tão longe...
Restam‑me ainda os teus ensinamentos,
conselhos salutares, que me deste
e que são os melhores mandamentos!
É por eles que
tenho a esperança,
sonhos, mil sonhos de realidade...
Oh! quero ser feliz como em criança,
sem dar pela passagem da idade...
Voou o meu
Passado, esse bom tempo,
e agora aqui estou, pouco animoso,
ao ver as dúvidas do meu Destino,
que pendem a torná‑lo doloroso!
Feliz, assim
recordo os belos dias
de uma vida que nunca voltará,
dobrando ao peso de tamanho fardo,
pensando em tudo que de mim será...
Ó tempos em
que era criancinha,
voltai de novo a mim, voltai, voltai!
Trazei-me os belos dias que eu vivi,
ditoso, alegre, ao lado de meu Pai!
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Ao saudoso amigo
Sr. José Maria Antunes Ribeiro e estimada família
Já tinham acabado de cear
nessa noite nevosa de Janeiro.
Os netos rodearam o braseiro,
para melhor ouvir a Avó contar,
grave, velhas histórias, velhas lendas,
que só ela sabia bem narrar.
Lá fora,
devagar, caía a neve,
brandamente, em farrapos, fria e leve...
E no silêncio, a brisa parecia
ciciar em constante litania...
Sentado num
banquinho de madeira,
em frente à rubra chama da lareira,
o netinho mais novo já pedia:
"Eu... eu quero também a sua manta!
Eu estou a tremer com muito frio!"
E, a terna Avó, essa velhinha santa,
tomava‑o com carinho entre os seus braços
e então, lá, o menino adormecia...
"Nós queremos
ouvir a história de hoje..."
Os netos mais crescidos lhe diziam.
Mas, um a um, todos adormeciam.
E ela,
sozinha, se ocupava deles,
até sumir‑se o último tição.
E, sem dormir, sonhava os tempos idos:
de Verdade, Ilusão, Desilusão...
Recordava‑se
bem de ser criança,
lá ao longe, onde tudo era bonança!
Fôra no limiar dos catorze anos
que perdera seu pai, tão moço ainda!
E mais um ano, um ano mais, somente,
e também sua mãe ficara ausente.
Não tivera, por fim, os seus dois manos...
Ficara sem
ninguém... Mas era linda!
E então casara cedo, venturosa,
co'aquele que com ela 'inda criara
seus filhos, que a tornaram mais ditosa...
Aquel' que a Morte, hostil, também levara!
E agora, ela
ali 'stava entre os netinhos,
os filhos dos seus filhos, as promessas
para aqueles cabelos já branquinhos.
Tudo ela recordou, tão enlevada,
que arder não vira as derradeiras brasas!
Ainda a relembrar se ergueu, cansada,
e, pesarosa, avança, tropeçando
(vai, enfim, também ela, recolher‑se).
Bendiz e pede as bênçãos lá do Céu...
Depois, sublimemente, adormeceu...
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"Donde é que vens, ó triste cavaleiro?
Já fizeste uma longa caminhada?"
"Oh, sim, sou
um cansado caminheiro
que, morto de saudade, vem da guerra,
ao encontro da sua bem amada,
que há muito lhe ficou na linda terra."
"Diz‑me o nome
da causa desta vinda,
a feliz noiva de um gentil soldado?"
"Maria se
chamava e chama ainda,
se Deus a não houver p'ra Si levado!"
"Sou eu a tua
bem amada, vê!
Mas vê bem: quem tem dúvidas não crê!"
O moço fixa os
olhos na donzela
e, excitado, corre para ela:
"Oh, és tu, na
verdade! Sim, tu és!
Mas tu estás agora tão mudada
que eu não te vira à primeira vez."
"Tu também,
meu herói nunca domado,
que a mim vieste em invulgar cruzada,
me pareces haver modificado...
Eram mudadas
de ambos as feições,
mas era ainda o mesmo o seu querer!
Uniram‑se os amantes corações
no beijo que os felizes faz viver...
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À prezada família de Augusto Mendes
Menina dos olhos verdes,
onde vai tão apressada?
Quer a minha companhia
durante essa caminhada?!
Menina que
tanto chora
deixe lá esse chorar,
que eu peço a Nossa Senhora
p'ra consigo me casar...
Boneca de
olhos castanhos
gosto de te ver passar,
de manhã, muito cedinho,
quando o sol te quer beijar!
Não chores, ó
meu Amor,
que te quero ouvir cantar
e co'a bênção do Senhor
iremos ambos noivar!
Ó Senhora do
Sameiro,
do Minho és a padroeira:
tenho confiança em Ti
e terei a vida inteira!
Ó meu Bom
Jesus do Monte,
uma estância sem igual:
por teres muitas belezas
és um bem de Portugal!
Uma oração,
cada dia,
todos rezam,
eu sei bem,
à Virgem Santa Maria,
que de Sobreposta é Mãe!
Aldeia onde ao
mundo vim
hei‑de amar‑te com fervor
e serei do teu jardim
a mais vigorosa flor!
Lajeosa, que
vaidade
sinto ao afirmar que és linda!
Digo, com sinceridade:
eu quero‑te Muito ainda!
Que agradável
é passar
uma noite num moinho,
com sonhos para sonhar,
sob a pureza do linho!
Moças belas,
sedutoras
honrai sempre a nossa aldeia:
não há outra igual a ela,
de tantas belezas cheia!
Cachopas de
toda a idade
cantai ao menos p'ra mim:
recordai‑me a mocidade,
que é um sortido jardim!
"Quem tudo
quer, tudo perde",
é um rifão popular.
Mas eu quis e não perdi,
porque apenas quis amar!
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À memória do querido condiscípulo
J. A. Garcia
Uma filha!
Quem se não sente morrer,
por perder, por mais não ter
uma filha?!
Agourava a coruja no telhado,
nessa noite serena e muito fria;
orava, junto à cama, ajoelhado,
o bom pai em ardente litania...
Ela
enfraquece... As pálpebras descerra!
Una donzela de
dezoito anos!
Aquelas frescas, belas primaveras,
que ela passar viera sobre a terra,
puderam ser somente de quimeras
passageiras, desilusões, enganos...
Mesmo a esta
moça linda
a Morte não perdoou
e pouco tardou ainda,
que a Sorte cedo a levou...
Clareia a
manhã;
desponta um risonho dia;
cantam aves, com afã,
em grande alegria.
Muita gente no
local,
Comentando a desventura:
vai sair o funeral,
Pois chegou o velho cura...
Chora o povo
de pesar...
Tantas lágrimas, que mar!
E o terno pai mete dó:
desgrenhado, lancinante,
porque dali em diante
no mundo estará mais só...
Há muito lhe
roubaram a consorte;
descontente, porém, ficara a Morte...
Ornada essa
sobressai na igreja,
por entre amargas preces, em redor,
a filha pela última vez beija
o triste pai, que já nem sente a dor...
A urna desce,
enfim, à terra, entre ais...
‑ Venham, ó anjos do Céu,
dar à jovem o troféu
e cantar‑lhe os louvor's celestiais...
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Na praia, com sol ardente,
'stava, um dia, Filomena:
esperava, impaciente,
que lhe surgisse na frente
a gentil face, morena...
Enfim, ela
apareceu!
(É José, o muito amado,
que ao seu
encontro correu
e ficou nela abraçado)!
Ele, louco,
não queria
mais nada ver em redor
e chora de nostalgia,
porque há muito que não via
a sua mais linda flor.
"...E o nosso
filho querido?"
Inquire, doido de amor.
"Está em casa, meu marido",
responde ela, sem vigor.
Mas... que
desgosto profundo
essa jovem mãe sentia:
tinha morrido o menino,
que ela oferecera ao mundo
inundada de alegria...
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Ternamente, a boa mãe
amimava o seu menino,
muito hirto, branco e gélido...
Quem se pode sentir bem,
perante tão cru destino?
Ela afagava‑o
ainda,
embora inerte jazesse,
porque mesmo assim sentia
essa imagenzinha linda
quente como se vivesse!
Que belo e
gentil anjinho
esta doce criancinha!
Por entre a alvura que a veste,
já deixou o seu bercinho:
em um sorriso celeste
para saudar a Rainha...
Ela, lá no
alto Céu,
espera aquele serzinho;
cá na terra, a mãe, chorosa,
com a mão de levezinho
pousa-lhe no rosto um véu
e diz com voz lamentosa:
"Tu vais,
filho bem amado...
roga a Deus p'la minha Sorte:
Fico eu só... em tal estado
que apenas sei lastimar,
triste, a tua... a tua morte!"
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Dezoito anos e estou cansado
do pouco que vivi! Se a Vida é bela,
qual a razão de estar já cansado
de viver e mais nada esperar d'Ela?
Li os sonetos,
lindos, de Florbela
e senti‑a comigo, lado a lado,
a sofrer e a amar; e também ela
sempre com um viver atribulado!
Que pena!,
minha irmã da nostalgia,
do desespero, agruras e da dor,
das frustrações e do ardente amor,
não poder
igualar‑te na Poesia!
Mas, mesmo assim, me apoio no teu braço
e cumpro o meu Destino a par e passo...
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"Auréola" perdida para sempre,
na batalha sem-fim do dia-a-dia...
Desfolham dos meus olhos, tristemente,
as gotas que eram feitas de alegria...
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Ao Passado, que longe se esfumou,
a minha flor primeira, que murchou...
Desabrochavas
tu, ó meiga flor,
e já dos Outros lírios eu quisera
separar‑te na linda Primavera:
quanto agrado e encanto nessa cor!
Não hesitei em
te tocar... Que odor
então senti! Estavas tu à espera
de que alguém te levasse? Mas... quisera
o Céu que antes te houvesse eu visto, Amor!
Agora tu és
minha, bela rosa,
seduziu‑me bem cedo essa fragrância
‑ ah!, o meu coração já sente e goza!
E Porque
Passou já a nossa infância,
a ti eu peço a mão, menina airosa:
vê, que o teu "sim", eu 'spero cheio de ânsia!
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Casta, doce, gentil, sublime flor,
que um dia eu quis colher entre um jardim,
onde crescia o cravo e o jasmim
e só por ela eu me prendi de amor...
Fascinaram‑me
os olhos de luar,
brilhantes como pérolas celestes
e protegidos por escuras vestes,
que fizeram minh'alma despertar!
Os cabelos são
pétalas sedosas;
as faces de veludo, carinhosas;
o corpo de açucena em esfloral...
Tudo nela eu
amei! Por quê? Não sei...
Amar quem nunca vi... Confessarei
é que esse amor nasceu para meu mal...
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Eu queria‑te tanto, meu Amor,
no tempo em que julgava que eras minha,
tal qual é do jardim a meiga flor
e da mãe a recente criancinha!
Afinal, O
ciúme em mim nasceu,
Porque sonhei que havia um outro ser
que o teu amor queria, como eu:
chorei tanto ao pensar em te perder...
E este
doloroso pensamento,
de julgar‑te p'ra Sempre já perdida,
faz‑me lembrar‑te, momento a momento,
pois que tu eras toda a minha vida!
Agora sou
feliz, pois me enganei
e sei que não tiveste outra afeição:
Perdoa!, tu bem sabes que eu errei,
por muito desejar teu coração!
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Serás sempre o meu Amor,
assim diz meu coração!
Amo‑te tanto, que a dor
é triste resignação!
Serás sempre o meu Amor,
assim diz meu coração!
Mesmo ao
saber‑te perdida,
não me canso de rezar:
que Deus guarde a tua vida,
quimera do meu olhar!
Mesmo ao saber‑te perdida,
não me canso de rezar!
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Numa noite enfeitiçada
eu vi‑te em sonhos, meu Bem,
quisera não ver mais nada
e não conhecer ninguém!
Desejei não
despertar
desse bom sonho, doirado,
p'ra te poder abraçar
e ter‑te sempre a meu lado!
Num castelo,
encarcerado,
aspirei o teu calor
e tinha um mundo inventado,
feito todo só de amor!
Um nome
balbuciava
com delírio e com ardor,
nos teus braços me entranhava
nada mais
vendo em redor!
Beijos doces
que me deste,
beijos loucos que te dei;
frases lindas que disseste
e que eu só saboreei!
Amor puro que
juraste
com os lábios num sorriso;
coisas que profetizaste
para o nosso paraíso...
Se desse sonho
tão belo
pudesse não acordar
ficaria no castelo,
eternamente, a sonhar...
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Se soubesses, Amor, o quanto eu te amo,
tu farias de mim o teu amado.
Mas, com o coração sempre gelado,
não ouves minha voz quando te chamo.
Tua afeição,
porém, eu te reclamo!
Vê como estou por ti apaixonado
(e disso muitas provas tenho dado)!
Bela ninfa sê minha, porque eu te amo...
'Inda mais uma
vez, minha querida,
eu peço, com fervor, que não me esqueças,
porque somente tu me dás a vida...
Vai, meu
martírio, vai! Oh..., que verdade!
Sinto dentro de mim ‑ não estremeças,
realizar‑se o sonho que me invade!!
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Queria ver‑te feliz,
ó grinalda suave dos meus sonhos!
Queria teus cabelos afagar!
Queria beijar‑te a face,
mesmo que tu, perturbada,
me desviasses os teus lábios, trémulos!
Eu queria estreitar‑te nos meus braços!
Eu queria sentir‑te presa a mim,
como na tosca pedra a hera verde!
Queria
confessar‑te tais segredos,
que apenas tu entendesses...
Mas eu queria
tanto, que não creio
vir a ter quanto quero e o que desejo.
Contudo, eu te peço, ainda,
o que será, talvez, mais do que dar:
Eu queria...
Sim, queria
que nunca tu me olvidasses,
mesmo quando não pudesses
pensar em mim senão um breve instante!
Vê tu: eu quero todo pertencer‑te
e não sei se tu queres ser um pouco,
ao menos um pouco minha...
Mas resta‑me a
esperança de dizer‑te,
quer tarde ou cedo, um dia, alegremente:
‑ "Ah, meu Amor, és minha para sempre!!"
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Minha pérola saudosa,
amor como o teu não há!
representas uma rosa
ingrata, por que será?
até teu rosto, formosa,
Indica
desilusão...
será que, minha mimosa,
amas outro coração?
bela, gentil, carinhosa,
eterno altar de ambição...
leve flor maravilhosa!
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Eu te queria tanto, meu Amor,
quando o primeiro beijo te pedi:
tu recusaste‑mo; mas, um rubor,
nas tuas faces, eu, contente, vi!
Nós
namorávamos ao som sereno
do girar dessa mó, que não se cansa
nunca de trabalhar! Moinho pequeno,
com que prazer te guardo na lembrança!
Já se tinha
acabado aquele dia.
Caía sobre
nós, serenamente,
lá do alto, um luar de nostalgia...
E eu reclamei o beijo, novamente!
Perturbada,
teus olhos desviaste.
Peguei, com frenesi, a tua mão:
'inda mais uma vez tu te esquivaste
e eu senti 'stremecer teu coração!...
Num relance
gozei bem o calor
de um beijo que poisou na minha face
e ouvi‑te sussurrar, trémula: "Amor"...
E, para que entre nós se não gerasse
mais confusão,
fugiste. Fiquei triste...
Mas, a ave que tanto me prendeu,
já dentro de minh'alma não existe
e o meu amor por ti desapar'ceu!
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A tua voz, melancólica,
segredou‑me, veemente:
"Adeus, Amor, vou partir,
porque o Destino, inclemente,
não me deixa pertencer‑te!"
E eu
supliquei, brandamente:
"Pombinha mansa, não partas,
porque quero as tuas penas,
para aquecer o meu ninho..."
E tu sorriste,
e não partiste...
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A flor que há tempos procuro,
acaso és tu, finalmente?
Serás o porto seguro
que vem tornar‑me contente?
Se és (mas eu
tenho medo
de uma vez mais me enganar),
vem até mim que, em segredo,
meu coração vais 'scutar:
"Conheci‑te;
achei‑te bela
(uma invulgar
maravilha!)
e, tão fulgurante estrela,
no céu, por certo, não brilha!
Tu tinhas um
andar leve
e vestias com encanto:
foi nesse momento breve
que fiquei a querer‑te tanto!
Falei‑te e a
tua voz
recordava um rouxinol
com gorjeios bem fagueiros,
quais delicados retrós;
e em teus olhos, feiticeiros,
par'cia nascer o Sol!"
Queria que
fosses rainha
do meu pobre coração,
que suspira e que definha
p'las carícias de amor.
Vem, pois, ser a jarra bela,
feita de sã convicção,
que eu quero ser, posta nela,
a mais vigorosa flor!
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Ai como te amo, flor 'ida em botão!
Como te quero, rosa delicada!
‑ É o que sempre diz meu coração,
porque só em ti pensa, minha amada...
Que sejas a
rainha do meu lar,
é o desejo ardente, a cada instante,
porque, quer acordado ou a sonhar,
te sinto sempre perto, mas distante...
Retira, Amor,
a dúvida espinhosa
deste peito tão pobre e fatigado.
Vem beijar‑me de forma carinhosa;
dizer que sou o teu eterno amado...
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Adeus, sonho passageiro,
feito todo só de amor,
que gravaste no meu peito
a imagem de uma flor:
Uma flor que
tanto amei,
por ser tão bela e mimosa
e que o Destino me rouba
com a minh'alma chorosa!
Um "adeus"
triste e penoso
que geme o meu coração:
Se em mim não vires mais nada
vê ao menos um irmão!
Bem depressa
foi chegada
a hora da despedida
e ao partires eu senti
sangrar dentro uma ferida.
Vais quando
mais eu queria
que estivesses presa a mim:
que pecado cometi,
p'ra ter um castigo assim?...
Parte, pois,
anjo adorado,
p'rò rumo que o céu te deu,
mas leva em ti a certeza
que o meu coração é teu!
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Não sei porque tentação,
ao ver‑te e falar‑te, Amor,
'stremeceu meu coração
e te amei, sublime flor.
Sonhei‑te,
então, com loucura
e quis‑te toda p'ra mim:
era um amor só doçura,
como não tive outro assim...
Teu nome era o
de uma flor,
rescendendo só a rosa!
Por isso é que a minha dor
seria mais tortuosa,
pois não há
rosa sem 'spinho
e o amor é todo uma rosa!:
nasceste no meu caminho,
linda flor, tão espinhosa...
Amimei‑te com
carinho
e reguei‑te com ardor,
e vi crescer o pezinho,
que me inundou de calor!
Era muito boa
a terra
e depressa tu
cresceste...
Mas como foste severa
co'a sentença que me deste!!
Antes a Morte
que ter
um tal desgosto profundo,
que assim tamanho sofrer
é um inferno neste mundo.
Tudo em nós
era ilusão
e desvairada quimera:
começámos o Verão,
sem gozar a Primavera...
E de ti só
resta agora
a vaga imagem gravada
no meu peito. Foste embora
quando eras mais desejada
e quando mais
eu queria
que toda, enfim, fosses minha...
Ficou, pois, a nostalgia,
ao ver‑te partir sozinha!
Lembro‑te,
apesar de tudo,
e sei que foi ilusão...
Protesto, sofro e, contudo,
levaste‑me o coração!
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Gritei, gritei bem alto, angustiado,
pelo meu triste e pobre coração
e não me ouviu, porque ficou calado:
prossegui a chamá‑lo, mas em vão...
Cheguei a mão
ao peito e não batia.
Humilde, interroguei todos e tudo,
e o amplo Universo ficou mudo,
porventura a zombar dessa agonia...
'Scutei, por
muito tempo, tristemente,
o vento, tão veloz, que me afagava
e nele também, ai!, que costumava
dar‑me notícias, secretamente,
não encontrei
um rumo p'ra seguir...
Logo quis, como um louco, impaciente,
o mundo percorrer, a descobrir
se andava nesses largos mar's de gente!
Vagueei,
ansioso, sem ligar
aos espinhos, carrascos dos meus pés:
andei tanto que, ao fim de tanto andar,
o mundo palmilhei de lés a lés...
Já arfava.
Pingava-me O Suor.
Não tinha forças p'ra continuar.
Só então, na minha dor,
eu consegui exclamar:
"Foi uma louca
ilusão
que te fez assim perder...
Onde estás, meu coração,
que te quero reaver?!"
E o meu livre
pensamento,
levado no livre vento,
lá longe, o foi descobrir:
achou‑o só, a dormir,
num sono de
quem sofria,
no peito de uma mulher
que, por certo, não sentia
a causa do seu sofrer...
Era bela,
atraente, muito amada,
por isso o peito foi dela habitar:
não o sentiu... Estava tão gelada,
que o infeliz deixou também gelar...
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Minha doce e linda flor
vem para junto de mim:
tua formosa presença
faz‑me lembrar um jasmim!
Que formosura
celeste
esse belo rosto tem!
Comigo vem recordar
os dias de antigamente,
meu Amor, querido Bem!
Lembro‑me
daqueles dias
(que feliz recordação),
em que ao som de ave-marias
gozávamos o serão!
Isso já não
acontece,
com que tristeza confesso!,
o teu amor não parece
ter a afeição
que mereço...
Mas doravante te peço
essa afeição dedicada:
porque já bem te conheço
sê a minha bem amada!
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Um dia eu vi, admirei
essa menina bonita,
de lisos cabelos loiros,
com seu vestido de chita.
O amor
depressa nasceu,
que eu senti grande afeição:
aquele elegante ser
levara‑me o coração!
Cada hora e
cada dia
trará a sua surpresa,
seja ela de alegria,
ou guarde melancolia,
que tem a sua beleza!
Então eu me
aventurei
e a ela me dirigi:
à formosa criatura
a bela mão lhe pedi!
E eis que
nesse lindo dia
reinou o contentamento,
pois que a princesa de sonhos
me prometeu casamento!
Cada hora e
cada dia
trará a sua surpresa,
seja ela de alegria,
ou guarde melancolia,
que tem a sua beleza!
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Se me vires, minha amada,
pelo caminho passar,
não me deixes ir sem nada:
lança ao menos um olhar!
Sabes bem
quanto te amei
e tu não queres ser minha...
Sem teus beijos, que serei?
Iludida criancinha...
É por isso que
eu te peço
que no decorrer da vida
jamais te esqueças de mim...
Recorda‑me, se mereço,
pois preciso, flor querida,
que povoes meu jardim!
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